Projeto Do IT: o que é?
A investigação de translação tem vindo a afirmar-se globalmente como um meio por excelência para converter o conhecimento científico em novos e inovadores produtos, processos, metodologias ou serviços passíveis de contribuir para a melhoria da saúde e do bem-estar humanos, possibilitando, concomitantemente, a criação de valor acrescentado para a economia, quer pela diminuição de custos de “não-saúde”, quer pela criação de oportunidades de negócio. Tendo já sido assumida como uma prioridade nos países que ocupam a primeira linha em matérias de inovação e que são líderes na fabricação de produtos na área da Saúde, e perante o óbvio esforço do setor em Portugal em avançar definitivamente rumo a uma crescente afirmação internacional, este parece ser o momento certo para o país apostar também na investigação de translação, pondo assim cobro a uma situação que constitui um sério handicap para a competitividade da cadeia de valor nacional.
É neste contexto que, alinhado com a missão, os objetivos e o Programa de Ação do Health Cluster Portugal (HCP), surge o Projeto Âncora Bandeira “Do IT – Desenvolvimento e Operacionalização da Investigação de Translação”. Em linhas gerais, no âmbito do “Do IT” serão levados a cabo um conjunto de projetos de I&DT que consubstanciam uma série de “ecossistemas”, assentes em parcerias fortes e funcionais entre empresas, entidades do sistema científico e tecnológico e hospitais, orientados para a geração de conhecimento e sua posterior transformação em novas e inovadoras soluções que respondem a necessidades prementes ao nível da saúde humana – aqui se incluem, entre outras, soluções para diagnóstico, prognóstico e terapêutica do cancro, doenças neurodegenerativas e diabetes.
No entanto, o “Do IT” vai mais longe, numa linha voluntarista que extravasa a esfera de interesses dos seus promotores e geradora de um quadro de importantes externalidades, na medida em que contempla o desenvolvimento e especificação de estratégias e modelos organizacionais de investigação de translação aplicáveis às organizações da cadeia de valor nacional da Saúde. A sua divulgação generalizada, a que o projeto dá especial atenção, potenciará a disseminação da investigação de translação no país, contribuindo assim, de forma decisiva, para a alteração do paradigma vigente da valorização do conhecimento e, por essa via, para o benefício do doente e para a afirmação de Portugal, à escala global, como um país inovador e competitivo na investigação, conceção, desenvolvimento, fabrico e comercialização de produtos e serviços associados à Saúde.
O “Do IT” envolve 21 entidades, incluindo empresas, instituições de I&D, universidades e hospitais. O investimento global ascende a 8,6 milhões de Euros, sendo o incentivo QREN de 5,0 milhões.
Exemplo de um dos PPS do Projeto “Do IT”:
Projeto “MyHealth - Plataforma multimodal modular de colheita de informação/ sinais clínicos”
Enquadramento
Nos últimos anos tem-se assistido a importantes transformações na prática clínica, nomeadamente no que respeita aos algoritmos de decisão clínica. Uma parte significativa dessa transformação decorre de avanços tecnológicos e do conhecimento dos processos etiopatogénicos das doenças, que ocorrem em paralelo e que abrem novas oportunidades para melhorar os cuidados de saúde através de planos terapêuticos personalizados, comummente designados como “medicina personalizada”.
Para que tal seja possível, é necessário aumentar a eficácia da colheita, do registo e da ulterior aplicação de informações clínicas provenientes de múltiplas fontes (multimodais); só assim será possível desenhar planos individualizados que sejam eficazes na predição e prevenção dos processos patológicos que promovam a saúde em cada indivíduo.
A chave para a potencial aplicação deste processo centrado em cada pessoa particular (e por isso personalizada) encontra-se nas metodologias de colheita e análise de dados relativamente aos processos fisiológicos e homeostáticos de cada sujeito, que garantam uma fonte de informação clínica integrada, flexível e partilhável de modo a caracterizar o fenótipo de cada indivíduo. Com efeito, o uso apropriado de informação clínica individual, recolhida através de múltiplas fontes e coletada de forma integrada e compreensível através do recurso a novas tecnologias da informação e de comunicação (ou seja, coleção de informação baseada em sistemas informáticos), permitirá seguramente uma abordagem clínica mais dirigida e, por conseguinte, mais eficiente. Adicionalmente, o recurso a estas tecnologias poderá permitir ainda uma monitorização clínica mais precisa de cada sujeito, tornando assim também mais eficientes as medidas promotoras de saúde.
Objetivos
O objetivo geral do projeto “MyHealth” prende-se com a criação uma plataforma multimodal modular de colheita de informação/sinais clínicos que caracterize o fenótipo de um indivíduo com o intuito de vir a desenvolver planos terapêuticos personalizados.
Este projeto procura ser um contributo para este desígnio, ao demonstrar numa prova de conceito:
- A viabilidade da monitorização de pacientes em diversos ambientes (incluindo em ambientes exteriores às unidades prestadoras de cuidados de saúde), não só tecnicamente como na relação custo-benefício;
- O potencial de conhecimento que os dados médicos individuais, quando agregados, possuem para a gestão e o estabelecimento de políticas de saúde.
Para este efeito os diferentes módulos de colheita de dados clínicos operam numa plataforma tecnológica transversal, que permite a coleção, organização e processamento dos registos de forma integrada.
Cada um dos módulos irá gerar desenvolvimentos técnicos e tecnológicos, nomeadamente:
- Registo de EEG sem fios com touca apropriada.
- Determinação de valores analíticos em vários fluidos biológicos em ambiente domiciliário.
- Criação de interface portátil de monitorização metabólica alimentar.
- Análise farmacológica e de ambientes hormonais pregressos no cabelo.
- Novos modelos de registo portátil de sinais vitais incorporando-os em tecidos inovadores.
- Registo arquivado de exames endoscópicos.
- Criação de pacotes de interesse clínico específicos para cada indivíduo, desenvolvendo o paradigma da medicina personalizada.
Oportunidade e pertinência do “MyHealth”
Na atualidade, a tecnologia acima referida não está ainda disponível, pelo que as estratégias clínicas que se baseiam na geração de análises multimodais de informação são na prática ineficientes e representam um peso financeiro extremamente significativo para o sistema de saúde. Contudo, os recentes avanços nos campos médico, biomédico, da engenharia, da informática e das telecomunicações propiciam uma oportunidade única para a criação de uma plataforma de registo médico eletrónico integrado, que seja não só capaz de armazenar e transmitir dados diversos (por exemplo resultados laboratoriais, sinais fisiológicos e imagens), mas fazê-lo de uma forma compreensível e útil para os clínicos.
Igualmente relevante é assinalar que neste projeto se pretende que a recolha da informação clínica específica a cada indivíduo se efetue em múltiplos ambientes e contextos, nomeadamente fora das instituições prestadoras de cuidados de saúde. Quando se considera a atual tendência de enfatizar os cuidados de saúde prestados em ambientes extra-hospitalares, uma monitorização mais precisa dos sinais clínicos nestes contextos assume ainda maior importância porque permitirá: i) um melhor acompanhamento de doentes (em particular dos que são afetados por doenças crónicas), reduzindo as complicações, ii) melhorar a qualidade de vida desses indivíduos, e iii) reduzir os custos para o sistema de saúde.
Para além destes aspetos relacionados com a doença, esta estratégia será ainda instrumental na promoção de saúde, na medida em que permite a caracterização mais precisa dos parâmetros fisiológicos de cada indivíduo e a deteção mais precoce e precisa da deterioração desses sistemas.
Para que estes objetivos sejam alcançados de forma sustentada, é necessário um esforço de investigação multidisciplinar aplicada, que partindo de investigação fundamental faça a translação desse conhecimento para o cenário clínico. Em seguida, é preciso avaliar essas soluções através da evidência clínica e epidemiológica, para provar a sua utilidade na prática clínica.
Neste projeto, uma equipa multidisciplinar de investigadores, aliada a várias empresas, irá desenvolver/otimizar/utilizar dispositivos biomédicos (criados a partir de plataformas ou protótipos pré-existentes, sobre os quais se irão desenvolver novas tecnologias) para colher informação/sinais clínicos múltiplos que serão integrados de forma clinicamente compreensível para obter a caracterização fenotípica de cada indivíduo.
O projeto combina informação horizontal de diferentes sistemas complexos, organizada de forma modular. Cada módulo baseia-se no desenvolvimento / otimização / aplicação clínica de dispositivos técnicos inovadores, todos integrados num sistema informático e de comunicação coerente. Espera-se deste modo a geração de biomarcadores complexos para múltiplos sistemas, bem como a validação clínica da relevância dos novos dispositivos médicos, passíveis de originar valor acrescentado e de negócio a desenvolver no âmbito deste consórcio, quer por empresas participantes quer pelas externalidades que o projeto irá gerar.
Cada módulo está estruturado em torno de um plano de ação assente em tarefas e produtos. Consubstanciando a multidisciplinaridade da abordagem, cada módulo agrega na sua estrutura de supervisão investigadores clínicos, tecnológicos e informáticos. Esta estratégia respeita as abordagens conceptuais que permitem o desenvolvimento de suporte à decisão clínica personalizada. Naturalmente, por forma a provar a mais-valia destas aplicações, estudos ulteriores deverão comparar a sua eficácia relativamente aos atuais algoritmos de decisão. Para isso, este projeto que está desenhado para produzir a prova-de-conceito da plataforma que permitirá posteriormente a criação de pacotes distintos (que combinem diferentes módulos, no todo ou em parte, para a geração de resultados específicos e sua análise), desenhados à medida para a abordagem de grupos de patologias ou, em alternativa, para patologias específicas de acordo com as necessidades do sujeito ou do clínico.
Abordagem translacional do “MyHealth”
A transferência do conhecimento da bancada do laboratório para a cabeceira do doente é um aspeto progressivamente mais valorizado a nível global. Nos países mais desenvolvidos, há muito que a importância da translação na saúde foi incorporada nos meios científico-tecnológicos e empresariais. O projeto “MyHealth” pretende assegurar que este esforço é promovido em Portugal (e, em particular, nas organizações que integram este PPS) de forma sustentada, e difundido a nível global através da criação de produtos e processos inovadores. Para isso, unem esforços neste projeto várias unidades do sistema científico-tecnológico sediadas na Universidade do Minho (com agregação de esforços de unidades de investigação em biomedicina, biologia, psicologia e várias engenharias), e várias empresas de amplo espectro (da área da saúde, dispositivo médico, sensorização, têxtil e agroalimentar).
Este consórcio multidisciplinar do “MyHealth” irá implementar estratégias inovadoras para incentivar a translação na área da saúde, entre as quais se destacam a multidisciplinaridade e a mobilidade dos recursos humanos. A multidisciplinaridade está traduzida de forma inequívoca na estrutura dos distintos módulos (com definição de responsabilidade a nível de desenvolvimento do produto, da validação clínica, da integração de informação).
Por sua vez a mobilidade e partilha de expertises será assegurada pela contínua deslocação das pessoas envolvidas pelos diferentes cenários onde o “MyHealth” se concretiza (Laboratórios, Hospital, Empresas). Espera-se, desta forma, criar uma rede integrada multidisciplinar que constitua o embrião de um cluster científico-tecnológico-assistencial-empresarial. Este modelo, que será continuamente monitorizado, contribuirá de forma decisiva para o estabelecimento das melhores práticas para que possa ser ampliado e replicado de forma sustentável num futuro próximo.
Todo o projeto está, aliás, estruturado na lógica do Projeto Âncora Bandeira “Do IT – Desenvolvimento e Operacionalização da Investigação de Translação”, na medida em que envolve em torno de uma parceria forte e sustentada um conjunto de entidades do sistema científico e tecnológico, hospitais e empresas – especialmente relacionadas entre si devido à proximidade geográfica e/ou às suas áreas temáticas de intervenção – no sentido de estabelecer unidades/programas colaborativos de elevado mérito e qualidade, que constituem “ecossistemas” privilegiados para a realização de projetos de investigação de translação e, logo, para o desenvolvimento de novos produtos/serviços/metodologias, competitivos à escala global, e que respondem a problemas prementes ao nível da saúde humana.
Acresce que, e adotando uma lógica de “aprender fazendo” e de partilha de experiências, da execução do “MyHealth” resultarão contributos relevantes para a especificação de estratégias e modelos organizacionais de investigação de translação passíveis de virem a ser adotados por outras organizações da cadeia de valor da saúde.